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Como cuidar em tempos de escola remota?

Como cuidar em tempos de escola remota?
Laura Carnicero
jul. 5 - 6 min de leitura
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Escrito por Regina Izzo Fusco e Laura Carnicero

 

O cuidar é um tema recorrente quando falamos de Educação Infantil e há algum tempo a ideia de que ele está restrito aos cuidados físicos tem se desconstruído. Falar sobre o cuidar e, mais importante ainda, inseri-lo enquanto conteúdo nas práticas realizadas com as crianças pequenas é garantir a promoção de uma educação empática. 

Presencialmente esse conteúdo é manifesto na rotina das crianças: ajudar o amigo a amarrar os sapatos ou vestir-se, emprestar o material e ter o olhar solidário como norteador das relações com o outro. Na pandemia, respeitar os protocolos de distanciamento físico, uso de máscara e higienização constante das mãos é também uma forma de zelar pelo bem estar coletivo.

 

Como manter e promover esse olhar cuidadoso para o outro em um ambiente virtual? 

No início do trabalho com esse modelo de escola, foi necessário retomar nossos princípios, observar atentamente as atitudes das crianças e planejar nossa atuação no novo ambiente. Foi preciso, principalmente nesse início,  mediar os diálogos que ocorriam com o uso da ferramenta de encontro virtual e utilizarmo-nos de situações cotidianas para convidá-los a colocarem-se no papel de sujeitos atentos ao entorno e às necessidades do outro. Aos poucos, essa mediação tornava-se dispensável, como pode-se observar no exemplo abaixo. 

 

Ao sugerir que as crianças confeccionassem um calendário para acompanharem a passagem do tempo, uma criança comentou sobre a dificuldade para desenhar as colunas e linhas já que não tinha uma régua em casa. Prontamente outra criança disse: 

“Eu vou deixar minha régua na sua casa para você fazer seu calendário” R. (5 anos)

 

Na escola remota, as experiências síncronas e assíncronas são, sobretudo, pautadas pelas conversas entre as crianças e professores. E, também por meio delas, aos poucos, as crianças vão se constituindo como parte de um grupo, no caso do G5. Um grupo se constitui pelas experiências vivenciadas e compartilhadas, ou seja, pela capacidade de olhar e vivenciar o cotidiano coletivamente. O desafio das professoras então, nesse momento, é intervir de modo que as crianças se exercitem nessa condição.

Muitas vezes, nos encontros síncronos, as crianças dessa faixa etária compartilham o que gostariam com o grupo e passam a brincar com objetos em casa ou conversar com outra pessoa que está próximo a ela, não prestando atenção no que os outros colegas elegeram partilhar. Nesse sentido, uma das maneiras de atuação das educadoras é elaborar boas perguntas e mediar a interação entre os pequenos visando uma efetiva comunicação, por exemplo, que se escutem e considerem o que é apresentado pelo outro em seus comentários. 

E, assim como presencialmente, num início de ano, é preciso deslocar o desejo das crianças de apenas falar ou mostrar o que lhes pertence e faz parte de sua história, foi preciso também à distância, trabalhar para construir esse olhar coletivo e uma atitude de quem faz parte de um todo. 

 

Em um dos nossos encontros síncronos, uma das crianças (G.S., 5 anos) estava muito animada com seu livro de dinossauros. Enquanto conversávamos com todos sobre o assunto do dia, ele “rugia” como os dinossauros mostrando seu livro na tela. O barulho atrapalhava a conversa e comprometia o andamento da proposta. Mesmo pedindo que fechasse seu microfone, G.S. continuou pois não conseguia nos ouvir. O que fazer? Nós paramos a conversa para observar o que ele fazia e, após muitas tentativas, finalmente quando pôde nos escutar, combinamos que ele poderia retomar o livro dos dinossauros ao final do encontro e, caso ele quisesse continuar a fazer os barulhos, seria necessário fechar o microfone. Depois agendamos uma videoconferência individual para retomar os combinados de uma “roda de conversa”, o que era sempre retomado nos encontros posteriores. 

 

Com o passar do tempo e nossas intervenções, ao longo do ano, observamos as crianças estabelecendo diálogos, demonstrando interesse pelo que os amigos falam e construindo uma narrativa coletiva, ou seja, constituindo-se como um grupo de pessoas que compartilham memórias e um pedaços de suas histórias. 

Pensar o encontro virtual como um encontro real, tal qual aqueles que realizamos na escola todos os dias, é abrir nossos olhos para inserir nessa nova rotina ações e intencionalidade. As entradas e saídas na ferramenta de encontro online são momentos cruciais para exercitar o cuidado como aprendizagem. 

Ao recebermos as crianças, não podemos perder de vista que em cada quadradinho projetado na tela, há uma história singular para ser vista e contada. Se, presencialmente, a recepção das crianças era pensada, virtualmente também é preciso recebê-los da mesma maneira. Cumprimentos e aquele pequeno bate-papo inicial, o reconhecimento de cada um que está lá é aprendizagem de uma prática social. É criar a cultura de primeiro olhar uns para os outros, para depois compartilharmos o que iremos fazer no dia. 

A despedida caminha pela mesma lógica de pensamento, enquanto a facilidade e a urgência em sair ou remover todos rapidamente da sala  - justificada pelo tempo que nós professores temos visto ficar cada vez mais fugaz -, não pode se sobrepor à intencionalidade e comprometimento com o cuidar. Despedir-se é considerar o outro, não só como interlocutor, mas como alguém cuja importância você considera. 

Nesse sentido, à medida que pensamos sobre a intensificação da interação mediada pelos dispositivos tecnológicos e a possibilidade de humanização dessa comunicação, como um exercício de cidadania digital e educação para as mídias, estamos abrindo novas perspectivas de reflexões sobre o cuidar no contexto histórico que vivemos. 

Assim, embora o distanciamento nos provoque uma sensação de impossibilidade de nos dedicarmos no exercício do cuidado, o processo investigativo a respeito das possibilidades de interação no modelo remoto é capaz de abrir - talvez não grandes portas e janelas - mas frestas essenciais para darmos continuidade à uma educação empática.


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