O tema do texto de hoje é a Educação inclusiva para surdos. Vi algumas discussões recentes sobre a falta de medidas para garantir a educação inclusiva durante a pandemia (no Brasil e no mundo). Decidi revisitar artigos e materiais que estudei há algum tempo, para escrever um resumo sobre como ocorre a educação especial de surdos no Brasil.
É importante compreender que os avanços em direção a uma educação básica inclusiva são recentes. A Educação se tornou um direito de todos apenas na Constituição de 1988, enquanto a LDB de 1996 abordou o papel das instituições sem fins lucrativos e apenas em 2001 o CNE definiu que todos os alunos deveriam ser matriculados no sistema de ensino regular, com as escolas responsáveis por oferecer as condições necessárias. Em 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão.
A primeira parte do texto trata da Política Nacional de Educação Especial e as seguintes a evolução das abordagens educativas de surdos. Convido você a conhecer mais sobre esta questão essencial para garantir o direito à Educação para todos.
A política de educação especial no Brasil
O público-alvo abrangido pela política de Educação Especial no Brasil são pessoas com deficiência (física, intelectual, sensorial), transtorno do espectro do autismo e altas habilidades ou superdotação. O atendimento previsto acontece de duas formas: no ensino dito comum, realizado pelas escolas de ensino básico, que deve acolher todas as crianças; e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), voltado para o público-alvo citado anteriormente.
O AEE tem caráter suplementar ou complementar e deve ser articulado com o ensino comum, ocorrendo no contraturno em centros especializados ou na própria escola, preferencialmente em uma Sala de Recursos Multifuncionais. O profissional responsável pela mediação destas atividades deve ser especialista em Educação Especial.
Para facilitar o acesso ao conhecimento, os professores do ensino comum e, principalmente, do AEE devem pensar nas especificidades de cada estudante, considerando seu contexto de deficiência, espaços, ferramentas disponíveis, personalidade, dificuldades de aprendizagem, etc. Assim, não é possível pensar em uma solução que atenda igualmente a todos os alunos com deficiência.
Se quiser conhecer a realidade de escolas e professores, recomendo o vídeo do programa Conversação do canal UNIVESP no Youtube, que recebeu profissionais da Educação, alunos especiais e pais para debater o tema “Educação Inclusiva”:
A evolução das abordagens de educação de surdos
Ao longo dos últimos séculos, foram desenvolvidas três principais abordagens de ensino da linguagem para surdos: oralismo, comunicação total e educação bilíngue de surdos. A primeira abordagem predominante foi o oralismo, que não aceitava o aspecto gestual como forma de comunicação, apesar deste sempre ter sido a maneira encontrada pelas comunidades surdas como forma de linguagem. Atualmente, há um consenso sobre a importância da Língua de Sinais para a comunicação e o desenvolvimento cognitivo dos surdos, por isso adota-se a educação bilíngue (no Brasil, LIBRAS e português)
O oralismo consiste em ensinar aos surdos a linguagem oral, trabalhando a emissão de sons pela boca e a leitura labial, com ajuda de próteses auriculares. Esta abordagem coloca como prioridade que o surdo consiga se comunicar com as pessoas ouvintes utilizando a linguagem padrão verbal oralizada, ignorando os benefícios da linguagem gestual utilizada informalmente entre surdos, apoiada em aspectos visuais.
Desde o final do século XIX até a segunda metade do século XX foi a principal maneira de educação de surdos. Estudos apontaram que a maior parte dos surdos não conseguiam desenvolver a oralidade de maneira satisfatória e que a aprendizagem de conceitos, ideias e da própria linguagem era bastante insatisfatória no final de sua formação escolar.
A comunicação total é a abordagem que busca desenvolver a linguagem utilizando sinais, leitura orofacial e oralização, com objetivo de permitir às crianças surdas desenvolverem a comunicação com pessoas ouvintes e surdas. Tanto a oralização quanto a língua de sinais não são objetivo único, permitindo aos surdos maior repertório de comunicação.
Estudos das décadas de 1970 e 1980 (LACERDA, 1998) indicaram melhores resultados na comunicação dos alunos, em relação ao oralismo, porém com dificuldades para expressar sentimentos e ideias. Também os níveis acadêmicos e de linguagem escrita foram insatisfatórios em comparação com o esperado. Acredita-se que a utilização dos sinais como suporte para a comunicação, sem uma abordagem linguística, foi um dos fatores que contribuíram para os resultados negativos.
A importância da educação bilíngue de surdos
A educação bilíngue de surdos consiste no aprendizado da língua de sinais durante a infância, para que a criança possa utilizar esta linguagem para garantir o seu desenvolvimento cognitivo, e depois ser ensinada a língua verbal majoritária, na forma escrita e, dependendo do caso, oral.
Esta abordagem reconhece a língua de sinais, que utiliza o canal visogestual, é mais natural para o surdo e deve ser aprendida primeiro, servindo de base para o aprendizado da segunda língua. A diferença para a comunicação total se dá na maior importância da linguagem de sinais e no foco do aprendizado da estrutura linguística e permitindo o desenvolvimento das capacidades da pessoa a partir do seu uso.
A proposta de educação bilíngue pressupõe a alfabetização das crianças surdas em Libras e português escrito, separadamente das turmas do ensino regular. Aparentemente, este modelo parece ir contra os princípios da inclusão escolar, já que exigiria a separação do aluno surdo dos ouvintes. Porém, o aprendizado da linguagem é elemento essencial para o desenvolvimento do pensamento humano, sem a linguagem os processos cognitivos são altamente prejudicados.
Assim, no caso dos surdos, como o ensino regular prevê a alfabetização em português verbal e não oferece o aprendizado de Libras, é essencial que esta criança aprenda de forma separada a linguagem de sinais, para permitir o seu desenvolvimento cognitivo e servir de base para aprender o português escrito, que será essencial para acompanhar as atividades do ensino regular.
Avançamos, mas será que atingimos uma inclusão real?
Em uma escola ideal, a linguagem de Libras faria parte dos conhecimentos aprendidos no ensino regular, de modo a melhorar a comunicação entre surdos e ouvintes, no ambiente escolar e, consequentemente, na sociedade. Mesmo se isso acontecesse, creio que seria necessário separar a alfabetização de surdos e ouvintes, pois cada grupo teria uma língua diferente como principal. Esta separação é necessária para o desenvolvimento intelectual dos indivíduos surdos e sua inserção posteriormente no ensino regular.
Um dos principais obstáculos para a inclusão efetiva dos alunos surdos é a falta de professores capazes de se comunicar em Libras. Apesar do estudo da Língua Brasileira de Sinais ser obrigatória nas Licenciaturas desde 2005, são poucos os professores (e as pessoas no geral) que aprendem e colocam em prática. Assim, os estudantes surdos dependem de um profissional especializado para se comunicar com professores e colegas ouvintes, o que dificulta a inclusão social.
A verdade é que existem iniciativas inspiradoras de escolas e professores, porém na prática a educação inclusiva ainda precisa avançar bastante para proporcionar o aprendizado dos alunos com necessidade especiais. Para falarmos efetivamente em inclusão destas pessoas na sociedade, vejo que estamos muito distantes de uma situação satisfatória. Porém, garantir o direito à Educação é um começo fundamental.
Referências para aprofundar no tema
- Artigo do MEC/SECADI, “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”
- Artigo da Cristina Lacerda, “Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos”
- Documentário francês de 1992, “O País dos Surdos”.
Este texto foi publicado originalmente no blog da Layers Education