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Direito à Comunicação: a experiência da Agência de Comunicação Comunitária Vozes Daqui de Parelheiros

Direito à Comunicação: a experiência da Agência de Comunicação Comunitária Vozes Daqui de Parelheiros
Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário - IBEAC
ago. 5 - 10 min de leitura
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Cláudia Dias Nogueira e Gabriel Razo da Cunha pela Agência de Comunicação Comunitária Vozes Daqui de Parelheiros

As discussões referentes às Fake news, qualidade das notícias, mídias alternativas, acesso à internet e a democratização da comunicação têm ganhado força nas universidades, coletivos, movimentos populares e na sociedade em geral.  Porém, este não é um problema novo. 

O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define a comunicação como um direito humano fundamental. Qualquer pessoa tem direito de produzir e acessar informação e cultura de forma igual. Algumas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU, leis nacionais e documentos internacionais dedicam-se a discussão da democratização da comunicação. Apesar disso, o Brasil está longe de garantir este direito. Hoje, os principais meios de comunicação do nosso país estão nas mãos de poucas famílias. As redes de televisão, rádio, jornais e revistas impressas e virtuais mais acessadas são controladas por um grupo pequeno, alimentando muitas vezes o imaginário coletivo com uma “história única”, termo destacado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. 

O Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos do Estado de São Paulo (2017) dedica um capítulo à “Educomunicação: Comunicação e Mídia”, destacando a importância do direito à comunicação e seu papel fundamental na garantia de outros direitos. De acordo com o documento é preciso “apoiar o movimento de regularização dos meios de comunicação de caráter alternativo e comunitário como estratégia de ampliar a participação da população na produção cultural sobre os Direitos Humanos.”

Historicamente, a comunicação popular/comunitária na América Latina tem sido uma importante estratégia de organização dos movimentos populares para a expressão cultural e política, reivindicação de direitos e o exercício da democracia e da cidadania das comunidades desprotegidas do poder público. Segundo a matéria “Comunicação popular e comunitária salvam vidas durante a pandemia”, de Tâmara Terso e Paulo Victor Melo, publicada na Le Monde Diplomatique Brasil, a comunicação popular e comunitária fomentada pelas organizações sociais (OSCs) e coletivos tiveram um papel fundamental durante a pandemia da Covid-19, “traduzindo” informações importantes sobre o coronavírus e dialogando com as comunidades.

Neste cenário, o IBEAC, OSC fundada em 1981, vem atuando desde 2008 em Parelheiros, periferia rural do extremo sul da cidade de São Paulo, com projetos e ações que contribuem para a promoção, defesa e garantia dos direitos humanos, dentre eles, o direito humano a comunicação. A partir de 2020, os desafios de adaptação ao ambiente virtual impostos pela pandemia do coronavírus, fez com que a Educomunicação assumisse uma configuração de linha de atuação da organização. O pontapé inicial foi o jornal “Vozes Daqui: de Parelheiros para o Mundo”, um passo importante em direção ao direito à comunicação comunitária em Parelheiros, uma possibilidade da comunidade narrar suas histórias, contar suas vivências, acessar informações, produzir conteúdo e ser escutada, parte do exercício da cidadania.

 

Da formação de um coletivo à construção de uma Agência de Comunicação Comunitária

O coletivo “Vozes Daqui: de Parelheiros para o mundo” nasce das experiências, da colaboração e da participação de coletivos em projetos sociais desenvolvidos em Parelheiros. 

Inicialmente, o grupo criou o jornal “Vozes Daqui: de Parelheiros para o Mundo” no formato de Jornal Mural, com o principal propósito de falar de Parelheiros a partir dos olhares de sua comunidade, valorizando as potências desse território e de sua gente, seus saberes e fazeres. Contudo, devido a pandemia do coronavírus, o jornal teve que se tornar digital. Todo o jornal, desde sua concepção até sua publicação é construído de forma dialogada com a comunidade. Este jornal é trimestral e conta com as seguintes etapas: I. Levantamento e escrita dos textos; II. Recebimento do conteúdo, III. Revisão, IV. Editoração, V. Revisão gráfica, VI. Publicação online, VII. Divulgação, VII. Monitoramento. 

O Jornal, que está em sua 5ª edição, conta com 5 partes: em “Do lado de cá”, estão notícias gerais do território; a parte “Do território”, apresenta sempre uma ação desenvolvida por algum projeto social realizado na região; em “Para ler, ver e contar”, encontram-se dicas de leitura, filmes e documentários; o “Gente Daqui” é um espaço para divulgar lideranças e pessoas que fazem o dia a dia de Parelheiros; na coluna “Escrevivendo” são compartilhadas histórias de vida; e uma programação para o trimestre é disponibilizada no “Põe na Agenda”. Todo o conteúdo é focado no território e seus moradores.

O envolvimento e empoderamento da comunidade na elaboração do jornal digital, bem como a vontade de exercer o seu direito à comunicação, permitiu ao coletivo sonhar para além dele. Em meados de 2020, o coletivo aprovou no edital do Programa VAI – Programa de Valorização de Iniciativas Culturais da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, a proposta de criação de uma agência de comunicação comunitária. Desde então, a atuação do grupo tem focado em encontros de planejação e formação junto à comunidade como elementos fundamentais para a produção de conteúdo e desenvolvimento da agência. 

Para que toda essa mobilização aconteça, foi criado um conselho editorial com representantes dos projetos desenvolvidos em Parelheiros e membros do IBEAC e CPCD. Por meio de encontros virtuais, o processo é monitorado e avaliado, são discutidas mudanças necessárias e propostas de temas e pautas para as produções da Agência. Os representantes dos projetos também se reúnem com os times para o levantamento destas demandas e pautas, garantindo que o processo seja colaborativo. 

Esta agência tem como objetivo principal promover o direito à comunicação e diversificar a produção de conteúdo sobre o território a partir de materiais audiovisuais, podcasts e publicações informativas, orientativas e inspiradoras do território, para o território e quem mais quiser ler, ver e contar Parelheiros a partir da sua abundância. 

 

A Agência de Comunicação Comunitária Vozes Daqui de Parelheiros

A Agência de Comunicação Comunitária Vozes Daqui de Parelheiros, antes mesmo de se denominar como tal, já contabilizava 3 edições do Jornal Digital “Vozes Daqui: de Parelheiros Para o Mundo”, somando 27 produções textuais. Também já tinham sido produzidos cerca de 60 episódios do Podcast Vozes Daqui de Parelheiros. A partir do apoio do edital do VAI, as primeiras ações foram reuniões de planejamento do projeto e a criação do plano pedagógico com a comunidade. 

Durante uma das reuniões de planejamento da Agência, surgiu a necessidade de compreender como Parelheiros se informa, produz e compreende o direito à comunicação. Em março de 2021, foi iniciada uma pesquisa a escuta obteve 60 respostas, representando 20 bairros de Parelheiros e Zona Sul de São Paulo. Foi possível constatar que a comunidade se informa principalmente pelo Whatsapp, TV, Facebook e Instagram, e que 3 é o nível que a comunidade se sente representada nos principais canais de comunicação, em uma escala de 0 a 5. Entre os principais motivos de não se sentirem totalmente representadas estão: a falta de assuntos sobre diversidade de gênero e orientações afetivo-sexuais, a não representatividade racial, o foco nas notícias sobre violência, o não reconhecimento dos trabalhos desenvolvidos na região e as informações distorcidas a respeito do território. Quando perguntados sobre o que gostariam que fosse falado sobre a região de Parelheiros, a comunidade apontou para as potencialidades do território, as comunidades tradicionais, as histórias dos bairros, os coletivos que atuam na região, o protagonismo das juventudes, a participação das mulheres, as ações das organizações sociais, os espaços e ações culturais, de lazer e de turismo. Assuntos como a preservação, valorização e cuidado pelos próprios moradores do meio ambiente, os problemas infraestruturas e sociais reais da região também são citados. 

Além da pesquisa, foi possível produzir outras duas edições do Jornal Digital e realizar, até o momento, 5 formações virtuais sobre comunicação com a comunidade de Parelheiros. Também foram estabelecidas parcerias com coletivos e organizações referências na área da comunicação: Arqueperifa, Engajamundo, Viração Educomunicação, Intervozes e Unifesp, que facilitaram os encontros e tem colaborado para esta construção coletiva.  

A Agência de Comunicação Comunitária Vozes Daqui de Parelheiros tem fortalecido as relações comunitárias por meio da elaboração colaborativa e horizontal de mídias, ampliação de repertório, criticidade e acesso ao uso dos meios de comunicação. Ela também tem sido capaz de promover cidadania, valorizar vínculos e o sentimento de pertencimento no território. Além disso, é uma importante estratégia de empoderamento da comunidade, que cada vez mais tem se entendido como produtora de conteúdo, capaz de criar suas próprias narrativas, respeitar suas diversidades etárias, de gênero, de deficiência, de raça, de etnia, de origem, de religião, de condição econômica e outras. 

Parelheiros é um território cheio de abundância. Tem muitos recursos naturais e áreas de proteção ambiental, forte presença indígena e negra, imigração japonesa e alemã, produtores familiares de orgânicos, festas culturais, os slams, saraus, iniciativas inovadoras, tecnologias sociais e projetos comunitários. Democratizar a comunicação com Parelheiros é colocar luz nessas potências. Espera-se que a Agência continue contribuindo com a promoção do direito humano à comunicação, mostrando a importância de Parelheiros para a cidade de São Paulo e para o mundo. #DeParelheirosParaOMundo

 


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