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Escola justa, por François Dubet: combatendo as desigualdades com Educação

Escola justa, por François Dubet: combatendo as desigualdades com Educação
Henrique Uyeda do Amaral
out. 26 - 7 min de leitura
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Quando se ouve falar em justiça, é natural entender o conceito como a igualdade de direitos e oportunidades entre as pessoas. Um lugar justo é aquele onde os direitos dos indivíduos são respeitados e os deveres cumpridos, onde as oportunidades são iguais para todos e as condições para buscá-las são acessíveis para qualquer um.

Não é difícil perceber que, neste entendimento, o Brasil não pode ser considerado um país justo, a igualdade social está longe de ser alcançada. Os indicadores sociais obtidos por organizações nacionais (IBGE) e internacionais (PNUD) mostram um cenário de grande desigualdade social no Brasil. Não se resume apenas à questão financeira, na qual a distribuição de riqueza é bastante desproporcional, mas também às questões racial e de gênero.

A Educação tem papel essencial para o combate às desigualdades, por isso é um dos fatores utilizados para o cálculo do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Em um país desigual como o Brasil e com um sistema educacional público abrangente (mais de 35 milhões de alunos), a discussão sobre os fatores que promovem a justiça escolar é essencial para alunos, professores, cidadãos e governantes.

Neste texto, vou falar sobre o artigo “O que é uma escola justa?” do sociólogo François Dubet (2004), no qual aponta diferentes entendimentos de promoção da justiça escolar, apresentando dilemas, limitações e paradoxos acerca das visões mais comuns.

 

Aspectos da justiça escolar

“A priori, o desejo de justiça escolar é indiscutível, mas a definição do que seria uma escola justa é das mais complexas, ou mesmo das mais ambíguas, pois podemos definir justiça de diferentes maneiras.” (DUBET, 2004, p.540).

De acordo com Dubet, existem concepções válidas de justiça escolar que podem ser contraditórias entre si, portanto o caminho para tornar uma escola justa é permeado por escolhas que combinam valores e aspectos de cada visão. O autor apresenta as seguintes definições para os possíveis objetivos de uma escola justa:

  • meritocracia plena, promovendo a competição justa com igualdade de oportunidades;
  • discriminação positiva, de modo a compensar as desigualdades sociais do ambiente externo;
  • oferecimento de conhecimentos e competências mínimas;
  • integração dos alunos no mercado de trabalho, com um diploma útil;
  • diminuição da influência da desigualdade escolar na manutenção das desigualdades sociais;
  • desenvolvimento dos talentos específicos de cada aluno, independentemente do desempenho escolar.

 

A meritocracia na escola

Dubet coloca a meritocracia como um princípio que promove a justiça escolar, em um sistema ideal, oferecendo a todos os alunos as mesmas oportunidades no ensino, em termos de acesso e de qualidade de conteúdo. O questionamento do autor diz respeito à incapacidade da escola de instaurar uma meritocracia plena isolando as desigualdades sociais externas a ela, por exemplo, as questões econômicas, raciais, de gênero, estrutura familiar e, até mesmo, participação dos pais na educação dos filhos.

“O modelo meritocrático está longe, portanto, de sua realização; a competição não é perfeitamente justa. Em uma palavra: quanto mais favorecido o meio do qual o aluno se origina, maior sua probabilidade de ser um bom aluno, quanto mais ele for um bom aluno, maior será sua possibilidade de aceder a uma educação melhor, mais diplomas ele obterá e mais ele será favorecido.” (DUBET, 2004, p.543).

É importante ressaltar que a análise de Dubet é feita tendo como base o sistema educacional francês, que já passou por transformações no sentido de tornar menos desiguais o acesso às escolas. No caso brasileiro, a situação é muito pior, pois existe uma grande diferença de qualidade entre o ensino público e o privado.

Outra questão problemática do modelo meritocrático é a responsabilidade colocada totalmente nos estudantes pelo seu desempenho escolar, o que resulta em perda da auto-estima nos casos de fracasso. Essa situação pode gerar uma maior desigualdade entre os alunos de bom desempenho e aqueles menos bons, a tendência da meritocracia é ter mais perdedores do que vencedores.

Analisando de forma mais profunda, é possível questionar o que é o mérito, quem define os critérios de seleção e se estes podem ser mensurados de forma objetiva, sabe-se que os valores em uma sociedade são determinados pela ideologia dominante.


Desigualdade gera desigualdade

O autor ainda escreve sobre o efeito negativo que a desigualdade escolar pode ter em outras formas de desigualdade social, propiciando a sua manutenção ou até mesmo ampliação. Portanto, uma escola justa deve se preocupar em evitar isso.

“A escola cria suas próprias desigualdades, a economia cria suas próprias desigualdades, a cultura cria suas desigualdades, a política cria suas desigualdades… As desigualdades de cada um desses domínios podem e precisam ser combatidas. Mas há desigualdade e injustiça novas quando as desigualdades produzidas por uma esfera de justiça provocam automaticamente desigualdades em outra esfera. Assim, desigualdades de renda causam desigualdades na esfera da escola, da cultura, da política, da saúde e também da beleza.” (DUBET, 2004, p.549-550).


Como tornar a escola mais justa

A sugestão de Dubet para minimizar os efeitos das desigualdades sociais é criar um modelo de discriminação positiva, que proponha mecanismos compensatórios, como “estudos dirigidos, atividades esportivas e culturais, estabilidade e qualidade das equipes educacionais, preparação específica para concursos e exames”.

Outra medida proposta é o oferecimento de conhecimento mínimo como um aspecto importante para a escola justa, com objetivo de evitar uma exclusão total dos alunos mais fracos, em uma lógica semelhante à política de salário mínimo.

Torna-se crítica a definição do que seria o nível mínimo, já que um ponto muito baixo pode ser insuficiente para garantir aos menos favorecidos condições de melhorar sua situação e um grau muito alto, buscando excelência, pode resultar em abandono daqueles alunos que não conseguirem acompanhar as exigências.

Dubet indica que uma escola justa deve se preocupar de maneira especial em garantir um bom tratamento aos alunos que não obtiverem o sucesso de desempenho na competição meritocrática, normalmente marginalizados com a visão de serem responsáveis pelo seu mau resultado escolar.

Para isso, propõe duas ações: revalorizar os cursos técnicos e profissionais, relacionando-os com os gostos e talentos dos alunos; entender o papel educativo da escola como algo além da instrução “técnica”, envolvendo os alunos em outras atividades pedagógicas, culturais e esportivas.

A questão da integração dos jovens ao mercado de trabalho se contrapõe ao aspecto de incentivar a escolha de caminhos por interesses. É importante que o diploma obtido após um ciclo de ensino aumente as chances de “sucesso” no mundo profissional, grande expectativa dos alunos e de seus pais para com a escola. Essa questão cria uma competição entre as instituições de ensino e, por consequência, estabelece condições desiguais de acesso.

Por outro lado, podemos imaginar que uma escola justa permite aos jovens escolher seus caminhos de acordo com seus talentos, paixões e afinidades. É necessário o equilíbrio, pois, se este for o único critério, há o risco desses indivíduos fracassarem no momento de conseguir emprego.


Este texto foi publicado originalmente no blog da Layers Education

 


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