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HQs e educomunicação: discutindo saúde mental e emocional com jovens

HQs e educomunicação: discutindo saúde mental e emocional com jovens
Natalia Rosa Muniz Sierpinski
jun. 28 - 10 min de leitura
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Por Natália Sierpinski e Emanuela Nardin

Este relato de prática retoma cursos sobre história em quadrinhos ministrados em 2019 e 2020 pela educomunicadora Natália Sierpinski que foram realizados no projeto Olhar Jovem do CENFIRC, coordenado pela educomunicadora Emanuela Nardin. Buscamos contextualizar os cursos e seus conteúdos e ao mesmo tempo destacar como a educomunicação foi metodologia essencial para a criação e execução de tais iniciativas.

 

O projeto Olhar Jovem e o CENFIRC

O CENFIRC (Centro de formação Irmã Rita Cavenaghi) nasceu em 1996 para atender à demanda da comunidade da Vila Missionária prestando assistência às famílias carentes mediante criação de serviços conforme as necessidades detectadas. O Centro está localizado em uma realidade de vulnerabilidade social, onde se encontram várias comunidades carentes da periferia da zona sul de São Paulo, nos bairros de Vila Missionaria, Jardim Selma, Parque Primavera e Cidade Júlia.

Entre as propostas educativas do CENFIRC está o projeto Olhar Jovem, que surgiu em fevereiro de 2019 para atender adolescentes de 12-16 anos e suas famílias. O objetivo principal do projeto é desenvolver uma sensibilidade e leitura crítica do cotidiano a partir desse “olhar jovem” que através da educomunicação fomenta protagonismo e formação cidadã aos jovens participantes, tornando-os assim agentes ativos de transformação e mudança no contexto em que vivem. 

O curso do primeiro semestre de 2019 foi de fotografia e atendeu 20 alunos. Com uso de câmeras ou do celular, o objetivo da formação foi ir além do conteúdo técnico da fotografia, focando na sensibilidade, responsabilidade e trabalho em equipe entre os jovens participantes. No segundo semestre de 2019 o curso de fotografia continuou e foi inaugurado o curso de história em quadrinhos ministrado pela educomunicadora Natália Sierpinski e pelo psicólogo Jhonny Lima. 

Com a mesma proposta do curso anterior, o curso de HQs trouxe conteúdos técnicos sobre a linguagem dos quadrinhos, dando conhecimento básico para os jovens poderem produzir suas próprias HQs, mas tendo como principal objetivo conteúdos interpessoais, trazendo temas relacionados à saúde mental e emocional, abordando conceitos como depressão e ansiedade e tendo como projeto final a produção de HQs autobiográficas dos alunos. 

Ao final do semestre foi construída uma fanzine e uma exposição em conjunto com o curso de fotografia, em que HQs feitas durante o curso e escolhidas pelos jovens ficaram expostas. O fechamento do curso trouxe ótimos resultados e engajamento dos jovens e suas famílias, e a ideia de todos era continuar o curso no mesmo formato para o ano seguinte. 

 

2020: Adaptando os conteúdos do curso para o contexto da pandemia 

O curso que estávamos prestes a começar em 2020 parecia bem promissor: “Histórias da Quebrada” com a intenção de utilizar a linguagem das HQs, da fotografia e do jornalismo para produzir materiais que resgatassem a história do bairro da Vila Missionária. Ia ser um grande desafio para os alunos entrevistar moradores antigos da Vila, desenhar as histórias deles e fazer reportagens fotográficas e reportagens em quadrinhos. 

De repente, faltando uma semana para o começo das atividades, tivemos que comunicar para todos que o curso precisava ser adiado por tempo indeterminado por causa da Covid-19. Na esperança que a emergência passasse logo, esperamos, mas depois de dois meses percebemos que era melhor pensar numa outra proposta pois o covid ia nos acompanhar ainda por longo tempo. 

Entre fotografia, jornalismo e HQs, a linguagem das HQs foi escolhida para este novo curso pois não precisava de um equipamento específico, enquanto os cursos de fotografia aconteciam com câmeras oferecidas pelo próprio projeto para uso dos jovens, e também por ser uma linguagem já abordada no ano anterior, diferente do jornalismo que seria algo novo e por isso mais desafiador de ser abordado com profundidade no formato remoto num primeiro contato. 

Produzir HQs nos oferecia espaço para criatividade, possibilidade de ajudar os adolescentes a se expressarem e refletirem sobre uma situação nunca vivida antes e que mudou drasticamente nosso modo de viver: a pandemia. Como eles estavam encarando esta situação? Quais emoções estavam prevalecendo? Como seria representar o vivido através das cores? Assim surgiu o curso “Quarentena em HQ”.

 

O curso “Quarentena em HQ” 

O curso presencial de 2019 trouxe uma estrutura pedagógica que tinha funcionado muito bem: (1) Trazer uma HQ e abordar algum tema a partir dela (falamos sobre racismo, depressão e ansiedade, por exemplo) e ao mesmo tempo abordar alguns elementos da linguagem dessa HQ (falamos sobre recordatório e requadro, por exemplo); (2) Momento de produção de uma HQ pelos alunos e (3) Momento de troca e discussão em que todos os alunos mostravam suas HQs e comentavam sobre elas, e explicavam as escolhas feitas para a construção da história. 

Esse formato permitiu uma metodologia de ensino muito alinhada com a educomunicação, em que além de ter uma leitura crítica da mídia e temas sociais, também tinha sempre a produção da mídia pelos jovens e um debate conjunto com foco em uma formação cidadã e colocando os jovens como protagonistas do seu próprio processo de aprendizagem. E como fazer isso no formato remoto? 

A estrutura geral do curso continuou, porém mesclando momentos síncronos com momentos assíncronos. O tema desse curso foi focado na teoria das cores tendo como referência principal o livro “Psicologia das Cores” de Eva Heller. Assim, a primeira aula do curso foi uma revisão de conteúdos de linguagem das HQs vistas no ano anterior e depois cada aula trabalhava uma cor específica, seus significados e emoções e como isso era usado de forma prática com uma HQ como exemplo em cada aula, sendo usadas Graphics MSP durante todo o curso. Foram destacadas cinco cores e quatro HQs: amarelo (Chico Bento Arvorada), cinza e prata (Chico Bento Pavor Espaciar), vermelho (Piteco Ingá) e verde (Cebolinha Recuperação) que ao longo dos meses abordaram sentimentos como esperança, otimismo, tédio, felicidade, agressividade e perigo, por exemplo. 

Assim, neste curso remoto tivemos como metodologia das aulas (1) A partir de vídeos gravados com no máximo 10 minutos de duração, a educomunicadora Natália Sierpinski apresentava a HQ da aula, abordava recursos da linguagem e da narrativa e relacionava o uso das cores da HQ com as emoções relacionadas a essa cor e o Jhonny Lima também fazia vídeos curtos gravados aprofundando na discussão deste sentimento a partir de seu repertório enquanto psicólogo, (2) os jovens tinham uma semana para assistir aos vídeos no momento que fosse mais pertinente para eles e produzir também neste período uma HQ relacionada aos conteúdos da aula, que era indicada a cada semana, (3) a partir de encontros online síncronos ao vivo via google meet, eram apresentadas as HQs produzidas pelos alunos e guiadas discussões sobre as produções deles e o que acharam dos conteúdos gravados via vídeo. 

Essa metodologia permitiu que a principal troca realizada no formato presencial também estivesse presente no formato online, que era o momento de ouvir os jovens e guiar discussões a partir do repertório e das produções que eles fizeram, sendo um espaço de formação muito importante que trouxe diversos temas sensíveis no começo do isolamento social. 

O formato online também trouxe uma nova demanda: fazer HQs online. As HQs de 2019 sempre eram feitas com sulfite e lápis e para o curso remoto achamos interessante trabalhar outras formas de produção também. Para isso foi usado o Canva que tem um espaço específico para produção de quadrinhos, essa escolha aconteceu por ser um aplicativo gratuito e que permite muitas camadas de edição oferecendo mais liberdade para criação. 

Alguns jovens gostaram muito do Canva e realizaram a maioria de suas HQs nesta ferramenta, outros preferiram continuar produzindo suas HQs com lápis e papel e outros já estudavam desenho digital e faziam suas HQs em programas como PaintTool SAI. Demos liberdade para cada aluno escolher o formato que achasse melhor para a produção de suas HQs durante o curso. 

Arte da aluna Thayllane Nogueira (instagram) 

Sendo que estávamos trabalhando com imagens e ao final do curso não pudemos realizar novamente uma exposição presencial, escolhemos divulgar os trabalhos no instagram e no facebook. O projeto já tinha essas redes sociais, porém o instagram não possuía publicações recorrentes. Como estratégia de comunicação para a divulgação e preparação da exposição online postamos conteúdos relacionados às cores e HQs abordadas no curso semanalmente. Enquanto a página do Facebook já tinha um público, o instagram foi ganhando progressivamente novos seguidores. Na hora da exposição já tínhamos suficientes curtidas para que o trabalho dos alunos tivesse o merecido destaque.

No final do curso alguns alunos expressaram aprovação dizendo: “Nunca participei de aulas online assim”, todos avaliaram positivamente o curso. As aulas foram todas participativas, os protagonistas eram os alunos, não tinha conteúdo a ser passado no formato síncrono, mas sim experiências a serem partilhadas. 

Conseguimos manter uma ótima participação dos alunos no curso, todos os oito alunos inscritos no começo chegaram ao fim e todos participaram ativamente durante as aulas. Isto graças a metodologia educomunicativa do curso e do acompanhamento individual feito durante os meses da formação.  

Essa experiência ressaltou o potencial educomunicativo presente na linguagem das HQs e de novos potenciais de metodologias educomunicativas para o formato remoto, que continuam engajando e transformando os jovens que participaram de tais iniciativas. 

 


Emanuela Nardim é educomunicadora e webdesigner, licenciada em Comunicação Social pela Universidade Pontificia Salesiana de Roma. Gestora do projeto Olhar Jovem e associada da ABPEducom (Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais da Educomunicação). 

Natália Sierpinski é educomunicadora, escritora e roteirista, licenciada em educomunicação pela ECA-USP e mestranda em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-ECA-USP. Coordenadora da programação do evento Butantã Gibi Con e associada da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial). 


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