O projeto Educalab - educomunicação como fator de empoderamento e contribuição à superação da violência de gênero em territórios periféricos, iniciativa do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo (CDHEP), teve início no segundo semestre de 2019, quase como um sonho, com a possibilidade reunir os princípios da Educomunicação, Educação em Direitos Humanos, Educação Popular e Justiça Restaurativa. O objetivo era contribuir para o empoderamento de jovens mulheres periféricas, articulando ação e reflexão numa perspectiva dialógica tendo as tecnologias sociais da educomunicação como bases pedagógicas para problematizar discussões em torno da desigualdade de gênero.
No primeiro semestre do projeto, entre agosto e dezembro de 2019, tudo correu bem. Fizemos um trabalho de mapeamento para escolha das participantes e pensávamos na programação que teria início em março de 2020. No entanto, não fazíamos ideia de tudo que nos esperava.
O segundo semestre do projeto foi inusitado, com muitos imprevistos que exigiram várias adaptações, sobretudo pela decretação da pandemia da Covid-19. A Coordenação do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP) - organização não governamental responsável pelo projeto, decidiu que todas as atividades presenciais ficariam suspensas até segunda ordem. Desse modo, tivemos apenas três atividades presenciais do Projeto EducaLab, e foi preciso nos adaptarmos à nova realidade de encontros apenas virtuais, com todos os desafios que a pandemia trouxe.
Contexto do projeto
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP)
O CDHEP é uma organização não governamental, localizada no Capão Redondo - Zona Sul de São Paulo. Tem como missão formar e articular sujeitos sociais e processos políticos atuando na construção de uma sociedade justa e solidária de pleno exercício da cidadania, à luz dos princípios fundamentais dos Direitos Humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais. Para isso, promove ações de formação, articulação, comunicação e incidência em políticas públicas para prevenir e superar as diversas formas de violências existentes nas periferias. Assim, objetiva a construção da autonomia de sujeitos e instituições de modo que se tornem protagonistas de suas histórias. Os marcadores sociais de gênero, raça e classe são transversais a todas as atividades, quando não objeto direto de uma ação.
As participantes
O projeto iniciou com a participação de 16 jovens mulheres, com idades entre 16 e 24 anos, moradoras do distrito de Campo Limpo.
Pressupostos metodológicos
Considerando esta estreita relação entre educação e comunicação, uma das primeiras referências que sustentam a metodologia deste projeto é a educomunicação, compreendida como um novo campo de atuação educativa que tem muito a contribuir como uma alternativa eficaz para ampliar o envolvimento dos(as) estudantes no processo de ensino e aprendizagem.
Pensando que a educomunicação busca a valorização do repertório dos(as) estudantes e o uso das novas tecnologias capazes de despertar motivações e perspectivas de cidadania, preocupando-se com o processo de diálogo e cooperação, esse campo de conhecimento se mostrou ideal para embasar o projeto.
A metodologia utiliza ainda como referência as práticas circulares e trabalha com a concepção freireana dos círculos de cultura para ressignificar a relação entre educador(a) e educando(a) no processo de ensino e aprendizagem. Estes métodos exigem, necessariamente, a abertura ao diálogo, coordenação dos debates, rigorosidade metódica e reconhecimento do processo inacabado e contínuo. Através de rodas de diálogo procura-se trabalhar a expressão das emoções num ambiente de respeito genuíno, fruto da escuta qualificada e da aprendizagem de todos os participantes.
A metodologia baseia-se também no desenvolvimento de atividades reflexivas que busquem o desenvolvimento da consciência crítica da realidade e o engajamento em ações para transformação.
O Desenvolvimento do Projeto
O projeto previa inicialmente encontros presenciais semanais, com a duração de 4 (quatro) horas, com o propósito de termos oficinas práticas, com reflexões sobre a autonomia e empoderamento das envolvidas, articulação entre o fazer, o pensar e o estar no mundo, tendo no ato de construir algo um instrumental para pensar e ressignificar seu agir.
Os dois primeiros encontros nos serviram para conseguirmos ter um olhar mais aprofundado das participantes. Infelizmente esse processo foi suspenso, por conta da pandemia. A última atividade presencial foi no dia 10 de março. Na semana seguinte marcamos uma conversa online com as participantes, ainda sem nenhuma perspectiva de como seria dali em diante. O objetivo desse primeiro encontro era nos apoiarmos e não perdermos o contato que já tínhamos feito.
Assim como a própria pandemia, tudo estava muito incerto. Decidimos continuar com os encontros online, assumindo o risco de que talvez não pudéssemos incluir todas as jovens, por vários motivos que fomos descobrindo juntas, como por exemplo a dificuldade de se ter acesso à internet, tempo e espaço para que pudessem participar dos encontros de maneira tranquila.
Nos primeiros encontros nesse novo formato, adaptamos técnicas usadas presencialmente em rodas de diálogo - metodologia desenvolvida por Kay Pranis pensada para gerenciar conflitos, construir planos de ação através do consenso, promover o reconhecimento do outro e desenvolver o senso comunitário. Nos círculos de paz procura-se trabalhar a expressão das emoções num ambiente de respeito genuíno, fruto da escuta qualificada e do empoderamento de todos os participantes.
Os círculos de construção estavam previstos no projeto inicial. Essa metodologia utiliza-se de perguntas feitas às participantes para que cada uma responda, sem a interferência da outra. Em encontros presenciais utilizamos o bastão de fala como ferramenta para guiar a conversa. Para adaptar essa técnica nos encontros online, fomos controlando a fala de cada participante utilizando a ferramenta de silenciar o microfone de quem não estava falando no momento.
Tentamos o uso de algumas plataformas para mantermos o contato. No início usamos o Zoom e depois passamos a usar o Google Meet. Os encontros diminuíram consideravelmente de tempo de duração por conta da conexão da internet das participantes nem sempre ser boa e manter uma estabilidade.
Exemplos de algumas perguntas que guiaram os encontros:
Como tem sido sua rotina por conta da pandemia?
O que te fez sorrir na semana que passou?
Qual tem sido sua maior preocupação nesses dias?
Qual a sua maior dificuldade durante a pandemia?
Encontros trataram de temas atuais relacionados a Direitos Humanos
Procuramos também incluir, a partir de junho, debates sobre os acontecimentos que pipocavam nas redes sociais, como a repercussão do assassinato de George Floyd, estrangulado por um policial branco que ajoelhou-se em seu pescoço durante uma abordagem. Após sua morte, protestos contra o racismo rapidamente começaram a acontecer nos Estados Unidos e no mundo.
Nesse contexto, uma das participantes compartilhou no grupo uma das notícias sobre a temática. Assim pensamos que seria o momento de fazermos uma troca e começar a adentrar a temática do racismo, que perpassa, ainda que de maneira interdisciplinar, os fundamentos do projeto, quando pensamos em territórios periféricos, onde a questão de raça está intimamente presente. Desse modo, elaboramos dois encontros para discutir sobre a questão do racismo estrutural e do privilégio branco, a partir dos acontecimentos que ocorriam no Brasil e no mundo.
Outro assunto que pautou os encontros com as estudantes foi a luta antifascista, que dominou as redes sociais. Utilizamos a imagem da figura de uma bandeira antifascista mote para abrir uma outra discussão com as jovens participantes, sobre o significado da bandeira e porque elas estavam sendo postadas nas redes sociais. Mais uma vez utilizamos como recurso para o encontro um exercício de leitura crítica da mídia, para se conhecer e refletir sobre o mundo, a partir do que é transmitido ao sujeito pelos meios de comunicação.
Nesse sentido, vale ressaltar o educar para a comunicação como tarefa necessária no mundo contemporâneo. Considerada uma das áreas de intervenção da Educomunicação, a Educação para a comunicação tem o objetivo de compreender o que é a comunicação, seja ela no aspecto pessoal como social, refletir sobre a relação comunicacional (relação entre produtores, processo produtivo e a recepção das mensagens) e fornecer aos indivíduos instrumentos voltados ao fortalecimento da capacidade de avaliar criticamente os conteúdos midiáticos e a compreensão do lugar que os meios ocupam na sociedade.
Outro assunto das redes sociais que pautou nossos encontros, foi a luta dos “Entregadores Antifascistas” com intuito de contextualizar a luta desses profissionais. A conversa foi no sentido da importância de nos conhecermos melhor, nos identificarmos e sabermos qual lugar ocupamos na nossa sociedade. Isso nos ajuda a entender nossas necessidades e a nos organizarmos melhor.
Até o fim do projeto, continuamos com uma média de oito participantes, que ao final dos encontros trouxeram relatos apontando que nos encontros elas aprenderam a se comunicar melhor. Acho que isso demonstra todo o potencial desse projeto. Em que pese não ter trabalhado diretamente com nenhuma tecnologia como produto final, usamos algumas ferramentas para adaptar as atividades, proporcionando trocas em um espaço seguro, capaz de fundamentar práticas de formação de jovens mulheres cidadãs, tendo os meios de comunicação como outro lugar do saber.