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PROGRAMA 'EDUCOM.RADIO - EDUCOMUNICAÇÃO NAS ONDAS DO RÁDIO' EU VIVI!

PROGRAMA 'EDUCOM.RADIO - EDUCOMUNICAÇÃO NAS ONDAS DO RÁDIO' EU VIVI!
Tatiane Evangelista Soares
dez. 31 - 6 min de leitura
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Meu nome é Tatiane Evangelista Soares. Tenho 33 anos, e se hoje sou quem sou, muito se deve a uma experiência que vivi quando tinha apenas 12 anos, na EMEF Altino Arantes, lá na Vila Industrial, Zona Leste de São Paulo. Era uma típica menina de vila, corinthiana, cria da Padre Almeida Silva brincava muito na rua e estudava na escola do bairro. Fui uma criança serelepe, espilicute, atenta, comunicativa e muito curiosa.

Em 2002, quando o programa EDUCOM.Radio chegou à minha escola, eu fiquei empolgada. Era algo novo e fascinante, que oferecia uma oportunidade única para alunos em situação de vulnerabilidade social e marginalização — aqueles que estavam "dando trabalho". Eu sempre fui uma boa aluna, mas, como falava demais, talvez não fosse a aluna modelo que os professores esperavam. Mesmo assim, não queria ficar de fora. Sabia que aquela podia ser uma chance única na vida.

Então, eu e minha melhor amiga Carolina Helena Braga de Santana Marucci tomamos coragem e fomos até a coordenação da escola. Apesar de as vagas serem limitadas e voltadas para quem estava em maior risco, também queriamos participar. Disse que poderia ajudar, servir como uma mediadora entre os alunos e as tensões naturais que surgiriam com algo tão novo. Oportunidade de onde venho não se deixa passar, são raras mas preciosas.

Quando a rádio foi montada na escola, aos poucos nos reunimos para aprender a trabalhar com aquele universo tão diferente. Os fins de semana se tornaram dias de aprendizado intenso. Professores, pessoas da comunidade, pais e até funcionários da escola se uniram ao projeto. A tia inspetora de pátio e duas merendeiras, por exemplo, ficavam conosco, participando e assistindo enquanto descobríamos o mundo da comunicação. Foi nesse período que eu compreendi o verdadeiro significado de educomunicação — uma prática que integra educação e comunicação, permitindo que as pessoas sejam não apenas receptores de informação, mas também produtores e disseminadores de conteúdo.

A educomunicação nos empoderou, nos deu voz e nos mostrou que podíamos ser protagonistas das nossas próprias histórias. Fomos treinados, recebemos equipamentos, e construímos nosso Grêmio Estudantil - JP JOVEM E PROGRESSO para organizar a sala da rádio. Foi ali que comecei a entender como funcionam conselhos, associações e organizações. Foi ali que percebi o poder de estar organizado, de ter responsabilidades e de trabalhar em equipe para mudar nossa realidade.

Era uma ótima locutora, apresentadora e mestre de cerimonia. Tinha uma voz grave e firme, mas confesso que tinha dificuldade em pronunciar algumas palavras, conjugar verbos e falar o plural quando preciso. Essa dificuldade era algo que carregava desde casa, com meus pais. Mas ali, na rádio, lendo em voz alta todos os dias, com a ajuda e o incentivo dos meus colegas, professores eu comecei a melhorar e não me intimidar o importante era me expressar e não nos calar.

Todos nós crescíamos juntos, compartilhando força e carinho. Nós planejávamos nosso conteúdo, discutíamos pautas, e cuidávamos dos programas. Escolhíamos músicas, visitávamos a cultura e, naquela salinha um espaço apertado entre a diretoria e a sala de informática, nós, jovens que muitas vezes éramos vistos como casos perdidos, estávamos transformando nossas vidas. Lembro-me com muito carinho e gratidão dessa época.

Depois que saí de São Paulo, continuei a buscar conhecimento. Migrei pro Ceará Fiz Serviço Social e entrei em Filosofia na Universidade Federal do Ceará (UFC), e, após me formar, ingressei na Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Ser a primeira pessoa da minha família a se formar foi uma conquista, mas também uma reflexão dolorosa sobre as oportunidades que muitos dos meus familiares não tiveram.

Aquela experiência na rádio foi mais do que aprender a comunicar; foi aprender a ser cidadã, a sentir que eu tinha direito a um futuro melhor. Olho para trás e vejo que, mesmo que minha trajetória tenha sido difícil, aquele projeto foi uma joia rara que me deu força para seguir em frente. Perdi amigos para a violência, morte matada mesmo, vi outros sendo presos, e muitos de nós passamos por dificuldades, trabalhando em empregos que exigiam muito e ofereciam pouco enquanto terminávamos o ensino médio. Era cansativo sobreviver naquela época, e ainda é. Mas, quando vejo artigos que falam sobre o EDUCOMUNICAÇÃO, sorrio. Acredito que ainda há tempo para transformar vidas.

Hoje, entendo que o acesso à educação, saúde, cultura e afeto pode transformar fragilidades em potências. Inovação é ação, e aquele projeto, mesmo na sua fase embrionária, revolucionou minha história. Melhorou minha oratória, sim, mas, mais do que isso, me deu autoestima e segurança. A rádio, como o mar, tem ondas infinitas, e a comunicação é uma ferramenta poderosa para mudar o mundo. Escrevendo isso, me sinto emocionada. É como se libertasse a criança que fui, a menina que além de aluna, se tornou comunicadora. Brincar, criar, inventar destinos mais criativos, dignos e justos é o que me move. Acredito que ainda temos muito o que construir. E, sim, ainda há tempo.


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