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Transformando aulas em aventuras mágicas com jogo de RPG

Transformando aulas em aventuras mágicas com jogo de RPG
André Ramiro
mai. 22 - 10 min de leitura
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A Narrativa da Aventura

São Paulo, 03 de abril de 2020. Uma monótona manhã nas ruas esvaziadas da cidade, mas para três jovens especiais seria o início de uma grande aventura. Aparecera para cada um deles, como mágica, uma carta com uma mensagem:

“Prezado(a) Sr. Raul / Sra. Beatriz / Sra. Clara,

Temos o prazer de informar que V.Sa tem uma vaga reservada na Escola de Magia e Bruxaria de Castelobruxo. Está anexada uma lista dos materiais necessários. O ano letivo começa no dia 10 de abril, um professor irá buscá-lo(a) e se encarregará de te ajudar com o material escolar e com o trajeto até Castelobruxo.

Lista de Materiais:

1. Vestes de trabalho

2. Um chapéu pontudo para uso diário

3. Um par de luvas protetoras (couro de criatura mágica)

4. Uma varinha”

Parece estranho, mas quando o citado professor apareceu na casa de cada um dos novos alunos de bruxaria, acompanharam-no sem um momento de recusa clássico na jornada de vários heróis que vieram antes, era como se soubessem o que precisava ser feito. O professor contou-lhes que este mundo é repleto de pessoas e criaturas mágicas escondidas dos olhos daqueles que não conjuram magia, foi detectado nesses três jovens um grande poder mágico e por isso precisariam estudar para controlar seus poderes.

Para ajudá-los em sua aventura a escola forneceu uma quantia de 500 galeões (moeda usada no mundo bruxo) que serviriam para compra do material escolar necessário, então seguiram para onde o professor indicara como o melhor lugar para compra desse material, eram ruas estreitas na Vila Madalena, bairro da zona oeste de São Paulo, nas paredes dos muros separados por paralelepípidos as cores gritavam, chamavam o lugar de “Beco do Batman”.

Os jovens novos bruxos tinham apenas entre 8 e 10 anos de idade, mas já percebiam que ali não parecia um local propício para comprar materiais escolares, não havia nenhuma loja, apenas algumas lanchonetes fechadas, foi quando o professor explicou que para chegarem nas lojas mágicas precisariam fazer um desenho nos muros, entregou para eles gizes de cera e indicou onde poderiam desenhar. Cada um deles fez um grande desenho e quando terminaram todos as cores começaram a se movimentar, como se dançassem de alegria, poucos segundos depois não se assustaram quando os desenhos começaram a sair das paredes e criar vida no mundo tridimensional, suas criações estavam a mostrar o caminho secreto que apenas os possuidores de magia poderiam acessar.

Imagem utilizada para ilustrar os desenhos criando vida e saindo das paredes. Disponível  no link. <Acesso em 12 de Maio de 2021>

 

Chegaram então nas lojas e puderam escolher entre três chapéus, três vestes e três luvas, cada item com um preço e uma habilidade especial diferente, foi a primeira vez que tiveram que administrar seu próprio dinheiro e tomar decisões que influenciariam na jornada. Tiveram que pagar pela varinha, mas não puderam escolher qual queriam, a varinha quem escolhe o bruxo e depois de diversas varinhas testadas estavam prontos para embarcar com destino à escola de Castelobruxo, essa escola se localizava escondida na floresta amazônica e precisariam pegar um trem mágico para chegar.

O professor os levou para a estação da Luz em uma plataforma secreta, enquanto aguardavam o trem conversaram sobre a origem da magia, as primeiras magias eram feitas ainda por homens das cavernas que pintavam animais que desejavam ter como caça e alimento, essas pinturas ficaram conhecidas como arte rupestre. Quando questionado sobre por que algumas pessoas conseguem fazer magia e outras não, o professor fez uma analogia com a terra para explicar como funciona um sistema complexo.

“Por que você acha que em alguns lugares o solo é cheio de árvores, plantas, grama e em outros lugares o solo é seco, desértico, quase sem nenhuma vegetação? A resposta para essa pergunta é complexa pois são vários os fatores que influenciam no que chamamos de ecossistema, isso pode ser influenciado pelo sol, pela umidade, pela chuva, pelo vento e até por microorganismos como fungos e bactérias que não podem ser vistos a olho nú mas desempenham uma função no ecossistema. Quando falamos de magia a mesma regra se aplica, a magia é afetada por diversos fatores que influenciam para determinar se o sistema mágico de uma pessoa pode realizar conjurações ou não.”

Depois de um tempo aguardando o trem, o grupo de alunos foi atacado por um corvo que se transformou em bruxo e lançou um feitiço aprisionando o professor em uma barreira mágica, enquanto o bruxo conjurava o feitiço que mantinha o tutor incapacitado, os alunos tinham pouco tempo para resolver alguns enigmas sobre as origens da magia para libertar o professor.

Cada aluno resolveu um enigma com sucesso, libertando assim o professor que pôde sacar sua varinha e se defender, o bruxo que atacara o grupo fugiu se transformando em corvo novamente. Na sequência foi explicado que aquele era “Ayar” um bruxo que havia estudado em Castelobruxo e era contra crianças que não nasceram em família bruxa estudassem magia. Finalmente o trem chegou e as crianças puderam embarcar no trem mágico com tranquilidade até o seu destino.

Escola de Magia e Bruxaria de Castelobruxo na floresta amazônica. Disponível em codigonerd42 <Acesso em 12 de Maio de 2021>

 

Relato do professor

O texto acima é um resumo da história vivenciada através da imaginação dos alunos do curso de Jogos Estratégicos da Escola Viva nas duas primeiras aulas. Com a proposta de utilizar sistemas de RPG para ensinar diversas habilidades previstas na BNCC, três alunos do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental imergiram no mundo mágico de Harry Potter. Jogos de RPG são aqueles que o jogador interpreta um personagem que vive uma aventura e geralmente as escolhas do jogador influenciam a narrativa.

Em um momento onde todo o ensino estava restrito ao ambiente da internet, ao longo de 31 aulas os alunos desenvolveram seus personagens, distribuíram atributos, aprenderam feitiços e magias, enfrentaram monstros, domesticaram criaturas, conseguiram novos equipamentos, viajaram no tempo e espaço, desvendaram mistérios do enredo tudo isso enquanto aprenderam conteúdos baseados na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que seriam úteis para suas vidas acadêmicas. Para o planejamento deste curso alguns fatores foram considerados importantes: os desejos e gostos pessoais dos alunos avaliados através de feedbacks, atualização constante das mecânicas do jogo, design de nível bem calibrado e um enredo coerente.

Inicialmente este curso foi criado com a intenção de utilizar qualquer tipo de jogo estratégico para trabalhar as mais diversas habilidades. Nas primeiras aulas, antes de utilizarmos o RPG como recurso, eu e os alunos conversamos sobre os jogos que mais gostamos, sobre qual a relação dos seres humanos e dos animais com jogos e brincadeiras e também jogamos alguns jogos de curta duração. Depois de algumas semanas de aula contei para eles sobre como funcionava um jogo de RPG e os alunos demonstraram vontade de experimentar.

Para tornar essas aulas mais interessantes e valiosas para os alunos, busquei entender as temáticas que os atraiam, foi deles a ideia de utilizar o mundo mágico de Harry Potter para viver as aventuras e no final de cada aula enviavam um feedback sobre o que tinham achado da aula, além de sugestões para as aulas seguintes. Quando a aventura estava prestes a ser iniciada tivemos que migrar para o ensino remoto em razão do início da pandemia, as aulas aconteceram então através da ferramenta Google Meet e todo conteúdo visual do RPG como mapas, fichas de personagem e imagens foram compartilhados através do Google Apresentações.

Trabalhando com alunos tão jovens eu precisaria escolher um sistema de RPG que fosse de fácil entendimento, escolhi trabalhar com um sistema de narração feito pelo professor e rolagens de dados virtuais de seis lados sempre que alguma ação tivesse a chance de dar errado. Se um dado caísse com o número 6 o jogador teria sucesso, a única variável alterada dependendo da situação e das habilidades dos personagens era a quantidade de dados jogados. 

De acordo com Raph Koster(2005), os jogos que são bem sucedidos em nos divertir são os jogos que são bem sucedidos em nos ensinar. Além da estrutura básica do RPG, a cada aula mecânicas novas eram apresentadas para manter os alunos interessados, novas magias eram adicionadas, um sistema de domesticação de criaturas que ajudavam os alunos nas aventuras, etc. Tudo isso dentro de um nível lógico de dificuldade que aumentava conforme o tempo passava, em game design chamamos isso de “design de nível”.

Por fim, julgo que foi muito importante manter o enredo coerente para a história. Não é necessário ter tudo detalhado, até mesmo porque as decisões que os jogadores tomam são comumente imprevisíveis guiando a história para lugares não imaginados. Entretanto é importante saber onde você quer chegar e quais serão os pontos chaves do enredo que darão sentido a história, foi importante considerar que apesar de serem crianças pequenas cada personagem e pedaço desse mundo inventado precisavam ser coerentes.

Essas foram as minhas impressões gerais da experiência de trabalhar com RPG em sala de aula. Gostaria de saber como a história dos jovens que foram estudar em Castelobruxo continuou? Quer compartilhar suas experiências com RPG para enriquecer o debate ou fazer perguntas sobre esse processo?  No espaço dos comentários desta publicação na baseeducom.com.br você tem esse espaço.

 

KOSTER, RAPH. A Theory of Fun for Game Design. Paragliph Press. Scottsdale, Arizona, USA, 2005. 

 


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